Cooperação Jurídica Internacional
A COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL (cartas rogatórias, pedidos de auxílio direto e de extradição), outrora relegada apenas a situações eventuais e excepcionais, passou a ser uma realidade presente no dia a dia de muitos magistrados. Como reflexo da dinâmica social vivenciada nos dias atuais, os conflitos advindos das relações intersubjetivas reclamam cada vez mais a cooperação jurídica entre os Estados, sendo, muitas vezes, uma verdadeira condição sine qua non para a realização da prestação jurisdicional.
O objetivo maior da criação desta área é reunir e sistematizar as informações esparsas a respeito do assunto, com base nos conhecimentos adquiridos pela Secretaria Judiciária na tramitação de milhares de pedidos de cooperação jurídica internacional. As orientações prestadas pelas Autoridades Centrais brasileiras, notadamente o Ministério da Justiça e a Procuradoria Geral da República, serviram de referência para a compreensão de diversos temas. Isso conferiu ao estudo um viés eminentemente prático, sem prescindir da análise dos elementos teóricos fundamentais para a compreensão da matéria.
A distância entre os países e as fronteiras geográficas não mais representam grandes óbices à circulação de pessoas, bens e serviços. No ambiente virtual tais óbices sequer existem. A facilidade do acesso e troca de informações pela internet é mais um fator de transformação das relações humanas incrementado pelo surgimento das redes sociais. Nesse contexto, surgem situações que somente poderão ser solucionadas pela jurisdição de um Estado se houver a cooperação jurídica com outros países.
Sendo a jurisdição uma das manifestações da soberania do Estado brasileiro, somente pode ser exercida dentro dos limites territoriais em que é reconhecida. Logo, as demandas submetidas à apreciação da justiça brasileira que precisem ser aperfeiçoadas ou integralizadas pela prática de atos que devam acontecer em território estrangeiro, devem, necessariamente, ser objeto da cooperação jurídica internacional.
A COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL pode ser definida como a união de esforços entre os países com a finalidade de proporcionar aos seus nacionais a realização da Justiça. Ela pode ser requerida com base em acordos internacionais, bilaterais ou multilaterais, firmados em âmbito regional ou global, cuja tramitação se opera por meio de Autoridades Centrais. Na ausência de normativo internacional específico, ou se existindo o mesmo não puder ser aplicado, em razão do pedido estar fora do alcance de suas disposições, a cooperação poderá ser requerida com fundamento na reciprocidade, caso em que a tramitação se fará pela via diplomática, por intermédio do Ministério das Relações Exteriores (MRE).
Vale observar que a "cooperação jurídica internacional" é uma expressão bastante ampla e pode se referir a diferentes e variadas espécies de cooperação. Ela pode se dividir em cooperação ativa e passiva. A cooperação ativa é aquela solicitada por autoridades brasileiras para a realização de diligências no estrangeiro. Já a cooperação passiva é aquela requerida por autoridades estrangeiras para cumprimento de diligências no Brasil. Na prática, os pedidos de cooperação ativa mais comumente encaminhados ao estrangeiro têm por finalidade a prática de atos processuais de simples tramitação (citação, intimação, notificação e entrega de documentos) ou de instrução probatória (oitiva e interrogatório). A extradição, a transferência de presos e a cobrança de alimentos, são outros exemplos.
Os principais instrumentos de cooperação jurídica internacional são a Carta Rogatória e o Pedido de Auxílio Jurídico Direto, ou simplesmente Auxílio Direto. A utilização de um ou de outro irá depender da existência de normativos internacionais que deem suporte ao pedido, bem como das disposições previstas nesses normativos a respeito da forma do seu encaminhamento. Por isso, o primeiro passo antes da elaboração de um pedido de cooperação jurídica internacional é verificar se existem tratados internacionais, bilaterais ou multilaterais, aplicáveis. Não existindo, a tramitação se fará necessariamente pela via diplomática e o instrumento de cooperação adequado será a carta rogatória.
A depender do país, da finalidade que constitui o seu objeto, da qualidade das partes, da gratuidade deferida e da existência ou não de normativos internacionais aplicáveis, diferentes requisitos poderão ser exigidos. Portanto, as formalidades exigidas para o envio de pedidos de cooperação jurídica internacional não são uniformes, variando de acordo com o caso concreto. A ausência de uniformidade é a causa maior das dúvidas suscitadas. Contudo, apesar dessa aparente dificuldade, a cooperação jurídica internacional não deve ser vista sob o prisma da complexidade, mas sim da utilidade, pois a essência da cooperação é facilitar os trâmites para a realização da Justiça, sem a qual ela não seria possível.
No que se refere aos pedidos de cooperação, estes deverão ser formulados de acordo com as possibilidades previstas no acordo internacional. Nesse sentido, não é possível inovar acerca da matéria já predisposta nos diplomas internacionais. Vale observar que em se tratando de acordos multilaterais, não raras vezes firmados por mais de uma dezena de países, é possível que determinadas disposições tenham sido objeto de reserva por alguns deles. É o que aconteceu, por exemplo, no caso dos Estados Unidos da América, que manifestaram reserva à aplicação a alínea “b” do artigo 2ª da Convenção Interamericana Sobre Cartas Rogatórias (Decreto nº 1899/96) (abre nova janela), que dispõe sobre o recebimento e obtenção de provas e informações no exterior. Nesse caso, os pedidos de cooperação em matéria cível destinados aos EUA somente poderão veicular pedidos que tenham por finalidade a realização de atos processuais de mera tramitação, tais como citações, notificações ou emprazamentos no exterior, em consonância com o que dispõe a alínea “a” do artigo 2ª dessa convenção. Caso o objeto do pedido não se identifique com esses preceitos, deverá ser encaminhada carta rogatória sem base ou acordo internacional específico. A manifestação de reserva é um inconveniente que, a princípio, não existe nos acordos bilaterais.
Os riscos envolvidos na tramitação do pedido de cooperação jurídica são os fatores que influenciam negativamente no cumprimento das diligências. São exemplos de riscos à efetividade dos pedidos: a) a carência de tradutores juramentados, b) a não localização do alvo da medida no endereço indicado no texto do pedido de cooperação ou a imprecisão na indicação do endereço correto, c) a incompatibilidade entre os sistemas jurídicos em razão da existência de zonas de conflito relacionadas a bens jurídicos penalmente protegidos (por exemplo, o tratamento dispensado aos crimes contra a honra no Brasil e nos EUA), d) a proximidade da realização de audiências no Brasil cuja intimação para comparecimento seja o objeto do pedido, e) a utilização de palavras ordenatórias ou de cunho imperativo que possam ser interpretadas como ofensa à soberania dos países requeridos, f) a imposição de prazo às autoridades estrangeiras para o cumprimento de cartas rogatórias que também podem ser interpretados como ofensa à soberania, g) a ausência de indicação dos quesitos necessários para a oitiva de testemunha ou interrogatório de acusados, h) a ausência do compromisso de reciprocidade e a i) inobservância de outras formalidades essenciais previstas em normativos internacionais.
As etapas de tramitação desses pedidos têm significativa duração. A demora na realização de uma citação por carta rogatória, por exemplo, a depender do país onde deverá ser realizada, poderá durar de 09 (nove) a 15 (quinze) meses. A existência de equívocos na elaboração de Cartas Rogatórias e pedidos de Auxílio Direto impõem atrasos ainda maiores em suas tramitações que podem repercutir de forma decisiva na sorte do processo ou do procedimento investigatório em curso.
O pedido de cooperação extraído, salvo raras exceções, não pode ser encaminhado de pronto à Autoridade Central. Antes disso, é preciso que seja providenciada sua versão no idioma estrangeiro (etapa de encaminhamento), constituindo essa uma formalidade essencial que não pode ser afastada. Vencida essa etapa, o pedido enfrentará a tramitação burocrática entre as Autoridades Centrais ou entre os órgãos diplomáticos do Brasil e do país estrangeiro, antes que se inicie o seu efetivo diligenciamento (etapa de diligenciamento).
Uma vez realizada a diligência, o pedido retornará ao Brasil pela mesma via de encaminhamento. No entanto, antes que possa ser devolvido ao juízo rogante/requerente para o encerramento da tramitação, os documentos resultantes do diligenciamento deverão ser traduzidos para o idioma Português, nos casos em que a tradução deva ser providenciada pelo Poder Público (etapa de retorno). Portanto, somados os lapsos temporais inerentes a essa tramitação, quando a carta rogatória for finalmente devolvida para ser juntada nos autos em 1º Grau, a ação ainda estará em sua gênese processual, muito embora transcorridos 10 (dez) meses ou mais do seu ajuizamento.
Tendo em vista que a grande maioria dos pedidos de cooperação tem origem em processos criminais ou ações em que se discute a prestação de alimentos, diante da urgência inerente a ambas as matérias, porque sujeitas a prazos prescricionais, a demora excessiva repercute no seio das relações sociais criando uma instabilidade jurídica ainda maior. Notadamente porque se referem à aplicação da Lei Penal e ao Direito de Família. Essa é uma das razões pelas quais os pedidos de cooperação jurídica internacional devem ser extraídos com absoluta atenção e cuidado, a fim de se evitar que equívocos possam gerar atrasos desnecessários e ainda maiores à sua tramitação, trazendo como consequência prejuízos irreparáveis pelos efeitos deletérios do tempo.
O Brasil ainda não possui uma lei específica sobre cooperação jurídica internacional. Na sua ausência, existem referências normativas esparsas que pretendem regulamentar o assunto, como a Portaria Interministerial nº 501, de 12 de março de 2012 (abre nova janela), do Ministério da Justiça e Ministério das Relações Exteriores. Essa Portaria visa uniformizar o trâmite de Cartas Rogatórias e pedidos de Auxílio Direto quando os países destinatários não possuem tratado de cooperação jurídica com o Brasil. Mas ela também traz normas gerais para a elaboração e encaminhamento desses instrumentos de cooperação. A par disso, o Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, traz em seu artigo 26 e seguintes, de forma inédita, disposições acerca do tema, consignando expressamente que cooperação jurídica internacional será regida por tratado em que o Brasil é Estado-parte.
É importante esclarecer que os acordos internacionais que versem sobre delitos transnacionais, que pela natureza do crime praticado possam dar causa ao encaminhamento de pedidos de cooperação, atraem necessariamente a competência da Justiça Federal, motivo pelo qual aqui não foram aqui analisados. Na opção Textos Normativos a base de dados contendo todos os normativos internacionais poderá ser consultada, inclusive aqueles que dizem respeitos a delitos transnacionais como, por exemplo, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Decreto nº 5015/2004) (abre nova janela) e a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Decreto nº 154/1991) (abre nova janela).
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I - independência nacional;
II - prevalência dos direitos humanos;
III - autodeterminação dos povos;
IV - não-intervenção;
V - igualdade entre os Estados;
VI - defesa da paz;
VII - solução pacífica dos conflitos;
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X - concessão de asilo político.
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.